segunda-feira, 15 de junho de 2009

Externalidades e Meio Ambiente

Ao instituir um modelo econômico liberal, alicerçado no tripé Constituição, Códigos de Direito Privado e Poder de Polícia, o Estado deixou de observar alguns pressupostos econômicos de ordem prática, que acabaram por ocasionar as denominadas falhas do mercado[1].

Fábio Nusdeo nos ensina que existem cinco espécies principais de falhas do mercado, ocasionadas por fatores diversos e com conseqüências várias[2].

Não vamos aqui tecer em detalhes a matéria, apenas nos limitando a tratar do que interessa ao estudo dos tributos ambientais, que são as denominadas falhas de sinalização, efetivadas por meio das externalidades.

As externalidades, ou falhas de sinalização, ocorrem quando não é possível transmitir ao consumidor todos os custos e vantagens da produção através da gradação dos preços, considerados elementos sinalizadores por excelência.

Desta forma, não sendo possível internalizar tais custos, eles acabam circulando externamente ao mercado, consoante muito bem afirma Nusdeo:

As externalidades correspondem, pois, a custos ou benefícios circulando externamente ao mercado, vale dizer, que se quedam incompensados, pois, para eles, o mercado, por limitações institucionais, não consegue imputar um preço. E, assim, o nome externalidade ou efeito externo não quer significar fatos ocorridos fora das unidades econômicas, mas sim fatos ou efeitos ocorridos fora do mercado, externos ou paralelos a ele, podendo ser vistos como efeitos parasitas.[3]

Não conseguindo o mercado sinalizar tais custos através dos preços, eles acabam recaindo sobre terceiros, que se vêem obrigados a suportá-los em benefício daqueles que não chegam a conhecê-los[4].

É importante chamar a atenção para o fato de as externalidades existirem no campo da atuação lícita dos produtores, realizadas, nos dizeres de Nusdeo, “dentro das regras do jogo do mercado”. Isso porque as atividades ilícitas, embora possam gerar externalidades[5], são sancionadas e suportadas pelo próprio agente infrator[6].

Assim, só havemos de falar em externalidades quando determinados custos ou benefícios de uma produção lícita já não sejam sinalizáveis através dos preços de tais produtos, recaindo sobre terceiros.

E estas transferências devido às falhas da sinalização podem ser positivas ou negativas. Quando houver benefícios não sinalizados em determinada produção, estaremos diante do fenômeno da externalidade positiva, quando, ao contrário, o que estiver recaindo sobre terceiros seja o custo, então visualizaremos o instituto da externalidade negativa.

Embora existam essas duas espécies de externalidades, apenas as negativas acabam realmente sendo transferidas. Isso se dá porque, em geral, quando uma atividade gera benefícios à comunidade, o produtor trata de internalizá-los, seja através da concessão de subsídios do Estado, seja através do pleito por benefícios fiscais[7].

Explicando concretamente: quando uma fábrica é instalada e gera empregos e renda para determinada região, logo exige a concessão de benefícios que chegam a alcançar as isenções fiscais, como é o caso de determinadas indústrias inseridas aqui na Bahia.

É, portanto, diante das externalidades negativas que a internalização dos custos se faz necessária, por ser ainda bastante deficiente.

E muitas soluções já foram lançadas para o problema dos custos externos de uma produção, mas, a nosso ver, nenhuma delas se mostrou plenamente eficaz para cumprir seus objetivos.

Um exemplo é a solução dada por Fábio Nusdeo, para quem o grande problema das externalidade é que elas normalmente se dão em relação a bens de interesse difuso e, destarte, desapropriáveis e não monetarizáveis[8].

De acordo com a doutrina deste autor, a poluição de um rio, por exemplo, é realizada incontrolavelmente em razão de não ser sua utilização monetarizada, cobrada da população e dos produtores, além de não ser apropriável por qualquer pessoa. Ele inclusive faz menção aos animais domésticos e selvagens, asseverando que a extinção destes se dá justamente em razão de não serem eles apropriáveis, como aqueles.

Utiliza, ainda, como exemplo, o citado autor, o caso da Alemanha, onde a utilização de reservatórios hidrográficos é taxada pelo Estado, que investe tais recursos justamente na despoluição do próprio rio.

No entanto, não seguimos a mesma opinião do eminente professor, data maxima venia. Não acreditamos que a apropriação e monetarização dos recursos naturais seja a solução adequada para o controle das externalidade e, conseqüentemente, da poluição ambiental.

Coase já afirmava tal teoria, ao defender os property rights em matéria ambiental. De acordo com as idéias de tal economista, a monetarização dos recursos ambientais seria a solução das externalidades, o que retiraria tal problema do âmbito de atuação do Estado, que se tornaria responsável, unicamente, pela repressão ao nascimento de externalidades que não interessassem à sociedade. Para ele, a utilização dos recursos da Natureza deveria ser suportada apenas por aqueles que estivessem dispostos a arcar com ela, inclusive sugerindo a realização de transação entre particulares com os mesmos interesses de uso[9].

Para Coase, portanto, a solução adequada para o problema das externalidades consistiria em realizar-se uma negociação direta[10] entre todos aqueles que possuíssem interesse em utilizar o bem ambiental disponível, através da qual quem possuísse maior capacidade financeira de arcar com o uso de tal recurso sairia vencedor.

Tal solução, no entanto, a nosso ver, parece frágil e preconceituosa, pois coloca a Natureza, bem comum de uso do povo, sob uma perspectiva apropriatória. Levada ao extremo, tal teoria nos conduziria ao absurdo de, por exemplo, pagar para respirar, haja vista ser o ar bem de interesse de todos. Esta monetarização, portanto, faria com que aqueles que não possuem renda fossem desprovidos dos bens mais básicos para a existência, como ar e água, ocasionando um ainda maior abismo social, em total contraposição ao conceito atual de desenvolvimento sustentável.

Ademais, mesmo que se considere que apenas aqueles que se utilizariam dos recursos naturais como insumo para produção fossem obrigados a pagar por eles, ainda assim tal teoria encontraria importantes pontos frágeis. Em primeiro lugar, porque monetarizar o custo da degradação ambiental se torna tarefa difícil, para não dizer impossível em determinadas situações.

Lise Tupiassu alude, acerca da teoria de Coase, que, além da dificuldade natural em se custear uma degradação ambiental, algumas delas seriam absolutamente impagáveis, haja vista a sua dimensão irreversível[11]. A autora traz o exemplo do buraco na Camada de Ozônio, que pode ser unido a tantos outros danos irreversíveis que têm sido causados pela atividade predatória humana, como a extinção de espécies animais e vegetais. Estes prejuízos ao meio ambiente não são passíveis de quantificação monetária, haja vista a sua impossibilidade de retorno ao status quo ante.

Desta forma, é possível concluir, nas palavras da professora lusitana Aragão, que a teoria trazida por Coase se baseia na “primazia do indivíduo face à sociedade e a soberania do poder monetário.” [12]

Por outro lado, em contraposição à Coase, mas no mesmo interesse, surge Pigou, para quem a solução das deseconomias externas estaria na imposição de um sistema de imposto para as externalidades negativas, e um sistema de incentivo, para as externalidades positivas, o que faria com que os custos e benefícios externos da produção pudessem ser internalizados, através da conformação entre o custo do produto e o custo ambiental de sua produção, que seriam sinalizados através dos preços.

Para ele, pois, o Estado deveria interferir necessariamente sobre o domínio econômico, taxando os poluidores como forma de restabelecer o equilíbrio entre o custo da produção e o custo ambiental da mesma[13].

Os críticos de tal pensamento, por sua vez, afirmam que a taxação da poluição, pelo Estado, encontraria óbices no que diz respeito à licitude das atividades econômicas[14], visto que, como dito, só existirão externalidades relativas a atividades conforme a legislação. Estes censores, portanto, enxergam essa taxação como uma forma indireta de o Estado impor penalidades aos poluidores, o que é absolutamente vedado pelo nosso ordenamento quando o que se realiza é atividade perfeitamente legal.

Diante do exposto, é factível aduzir que as Teorias Econômicas apontadas, embora sugiram soluções ao problema das externalidade, não têm encontrado a efetividade e eficiência necessárias, o que nos leva a concluir que apenas uma doutrina voltada especialmente à prevenção do dano pode se mostrar eficiente para internalizar os custos da produção.

Nos dizeres da aludida Lise Vieira da Costa Tupiassu:

as externalidades, enquanto falhas inerentes ao mercado, tendem a ser mais bem controladas através de políticas de prevenção, por meio de uma imposição de custo que, embora insuficiente para o alcance de um perfeito equilíbrio – o que seria impossível, em função da impossibilidade de determinar exatamente qual a responsabilidade de cada entre produtivo em razão da complexidade do mercado atual – funcione como incentivo à alteração dos padrões produtivos poluidores.[15]



[1] NUSDEO, Fábio, Op. Cit, p. 138.

[2] NUSDEO, Fábio, Op. Cit., p. 139.

[3] NUSDEO, Fábio, op. cit., p. 153.

[4] Os economistas chamam esses consumidores que não suportam os custos externos do mercado de free riders, ou passageiros gratuitos. Sobre o sentido econômico de free riders e externalidades, consultar NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico.

[5] Exemplo de atuação ilícita que gera externalidades negativas é o depósito, em rios, de quantidade de elementos químicos acima da permitida através de regulamentação. No caso, embora a sociedade como um todo vá sofrer as conseqüências de tal atitude, o agente infrator será punido, não transferindo todos os custos da sua atividade a terceiros, embora seja possível que ele incuta o valor das multas nos preços dos seus produtos.

[6] Tais externalidades provenientes de atos ilícitos são, em tese, suportadas pelo agente infrator. Frisamos a expressão “em tese”, pois aqui também ocorrem falhas [impunidade], sobretudo em um país como o Brasil.

[7] NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico, p. 156.

[8] NUSDEO, Fábio, op. Cit., p. 160.

[9] Sobre a Teoria Econômica de Coase, consultar DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, p. 139-142.

[10] ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O Princípio do Poluidor Pagador: Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente, p. 37.

[11] TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação Ambiental: a utilização de instrumentos econômicos e fiscais na implementação do direito ao meio ambiente saudável, p. 71/72.

[12] ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O Princípio do Poluidor Pagador: Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente, p. 41.

[13] TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Op. Cit., p. 70.

[14] TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Op. Cit., p. 72.

[15] TUPIASSU, Lise Vieira da Costa, op. Cit., p. 73.

Um comentário:

Bruna disse...

Olá Geisa, gostei muito do seu texto. Parabéns! Você poderia colocar seu nome completo para que possamos utilizar seu texto como referência??