quinta-feira, 26 de março de 2009

Meio Ambiente e Economia

É inegável a estreita relação que a economia e o meio ambiente possuem entre si. Além de a Natureza fornecer matéria prima e energia essenciais às linhas de produção econômicas, não se há de falar em desenvolvimento econômico sem olhar para a proteção do meio ambiente, haja vista não haver progresso em sociedade mergulhada em problemas de ordem ecológica. Desta feita, torna-se imprescindível tratar da economia ao estudarmos os problemas ambientais.

Já não há mais, atualmente, a falsa idéia, grandemente propagada no passado, de que o desenvolvimento da economia deveria sempre se dar sem levar em conta a proteção aos recursos naturais. Com o advento do desenvolvimento sustentável, essa idéia de que a felicidade e a robustez financeira seriam sinônimos, a despeito de uma sadia qualidade de vida, já não encontra mais tantos adeptos.

Sendo assim, as atividades econômicas de hoje devem vir sempre acompanhadas da preocupação com a preservação natural, o que faz com que a Economia e o Direito Ambiental se tornem ciências cada vez mais entrelaçadas.

Helita Barreira Custódio, em artigo relacionado à Economia e Meio Ambiente assim define a atividade econômica:
(...) considera-se atividade econômica o conjunto das ações exploradas, exercidas ou desempenhadas pelas pessoas físicas ou jurídicas, de direito publico ou de direito privado para a produção de riquezas, lucros ou vantagens para a satisfação de suas necessidades ou das necessidades de interesse pessoal, social ou coletivo, publico ou de todos, observado o principio geral do Direito de não lesar ninguém.[1]

Desta feita, a partir do conceito trazido à baila pela autora, inferimos que sem a observância dos princípios constitucionais não haverá possibilidade de desenvolvimento econômico.

E embora a Professora apenas tenha se referido ao princípio da proibição de lesar outrem, é sabido que todo conceito em Direito obedece, primordialmente, ao princípio da dignidade da pessoa humana, no qual se insere o aludido pela doutrinadora. Logo, também a atividade econômica encontra-se subordinada ao respeito à dignidade da pessoa humana.

Uma atividade econômica constitucionalmente abarcada, então, é aquela que observa os princípios basilares da Lei Maior, além de atentar para os preceitos específicos do Direito Ambiental, como o da precaução, prevenção e poluidor pagador. Apenas uma atividade voltada para o progresso financeiro em conjunto com avanço ambiental deve ser aceita em nosso ordenamento.

Os processos produtivos, no geral, transformam e processam bens ambientais, devolvendo-os ao meio em forma de produtos ou resíduos. Em razão desta relação meio ambiente – processo produtivo – meio ambiente, Fábio Nusdeo afirma que “o sistema econômico atua como intermediário entre o meio ambiente e ... o meio ambiente” [2]. A Natureza, então, além de repositório de insumo, passa a ser destinatária de resíduos.

A atividade econômica desenvolvida hoje é, indubitavelmente, mais custosa que aquela realizada no passado. Isso porque, com o predatório uso dos recursos naturais ocorridos há tempos, sem a preocupação ambiental que hoje está tão em voga, a produção do passado ocasionou a escassez de muitos desses insumos, fazendo com que a criação de bens e serviços de hoje encontre maiores dificuldades quando comparadas às do passado.[3]

A escassez dos recursos naturais, essenciais para a concretude da produção, é evidente. As mudanças climáticas, os desmatamentos excessivos, a monocultura, as queimadas hoje tornam muito mais complicadas as buscas por elementos cada vez menos presentes na Natureza.
E, neste ínterim, surge o desenvolvimento da tecnologia, trazido pelo avanço econômico, a qual, quando bem utilizada, pode servir como forma de procura por meios menos poluentes para a produção, podendo nos levar, ademais, à descoberta de bens sucedâneos aos recursos não renováveis, utilizados em grande monta na atualidade[4].
Portanto, sob esses aspectos, é imprescindível que a Economia caminhe, hoje, atrelada às noções de Direito Ambiental, cooperando uma com a outra, de forma simultânea.
Cristiane Derani, ao tratar das políticas econômica e ambiental, o faz com a reconhecida maestria, em trecho que vale transcrever:
A política econômica trabalha necessariamente com a coordenação da atividade de mercado, com a concorrência, com a prestação de serviços do Estado. Ela abraça, também, questões de caráter ambiental, tais como: reaproveitamento de lixo, exigências de equipamento industrial para uma produção limpa, aproveitamento de recursos naturais, o quanto de reserva natural é desejável e qual seu regime social.
São indissociáveis os fundamentos econômicos de uma política ambiental conseqüente e exeqüível. E uma política econômica conseqüente não ignora a necessidade de uma política de proteção dos recursos naturais.[5]
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[1] CUSTÓDIO, Helita Barreiro. Legislação Ambiental e a Atividade Econômica in: Fórum de Direito Urbano e Ambiental, p. 115.
[2] NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico, p. 369.
[3] DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, p. 88.
[4] NUSDEO, Fábio. Op cit., p. 376.
[5] DERANI, Cristiane, Op. Cit., p. 48.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Objetividade Jurídica dos Crimes Contra a Flora

Considerações Iniciais.
A Lei n° 9.605/98, embora ainda seja alvo de muitas críticas fundadas, promoveu grande avanço no que se refere à proteção do meio ambiente. Tanto que hoje as pessoas possuem uma tendência a considerar a problemática ambiental como realidade, não mais se vinculando àquela antiga idéia de que a poluição, o desmatamento e tantas outras formas de agressão ao meio ambiente configurariam apenas teses, longe de terem de ser enfrentadas concretamente.
A verdade é que a violência desenfreada do homem para com a natureza já tomou proporções tais que atualmente é possível senti-la. E um grande exemplo disso é a mudança climática ambiental, evento comum no nosso dia a dia e que ocorreu devido ao aquecimento global, acontecimento concreto e verdadeiro que, até alguns anos atrás, limitava-se a permanecer nos livros como algo “provável de acontecer um dia”.
E, nesse ínterim, cresceu a preocupação da população para com o meio ambiente e sua maior importância em debates, congressos e, principalmente, nos noticiários. E é com base nessa “súbita importância” do meio ambiente que nos basearemos para pautar esse estudo que, consoante o título demonstra, procura buscar a objetividade jurídica dos crimes contra a flora para demonstrar o seu valor e o porquê da necessidade de tutela jurídica deste bem.

Direito Constitucional ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado
De acordo com o que reza o art. 225 da nossa Constituição, “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.
Dúvidas não restam de que a flora está inserida em tal artigo, uma vez que a mesma é parte integrante e essencial do ambiente. Destarte, o legislador constitucional dispensou à flora tratamento de “bem ambiental”, este tendo sido visto como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.
Apenas da leitura do referido dispositivo constitucional já é possível inferir a objetividade jurídica do legislador ao punir severamente aqueles que atentem contra a flora. E isso porque quando ele afirma ser a flora (como parte integrante do meio ambiente, consoante anteriormente mencionado) essencial à sadia qualidade de vida já explicita a necessidade de tutela desta como forma de tutela complementar à própria saúde do ser humano.
Neste dispositivo o legislador demonstra, pois, a sua preocupação com a natureza e o ambiente, embora demonstre que tal atenção não se dá unicamente pela importância que tais bens possuem em si, mas devido a uma visão antropocêntrica do problema, que é visto como meio e pressuposto de realização de outros valores humanos, entre os quais se destacou a saúde e a qualidade de vida das pessoas.
Seguindo ainda o mesmo art. 225, em seu parágrafo 4°, o legislador concede a determinadas espécies de vegetação uma proteção mais abrangente e incisiva, demonstrando, destarte, a sua preocupação com a flora como artifício essencial à qualidade de vida, in verbis:
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Diante do exposto, podemos concluir, de antemão, que a Constituição Federal de 1988 já nos dá as diretrizes para a compreensão da objetividade jurídica dos crimes contra a flora.

Conceitos de Flora, Vegetação e Florestas;
Faz-se necessário, antes de adentrarmos com profundidade na questão da objetividade jurídica dos crimes contra a flora, fazer algumas diferenciações de vocábulos utilizados pelo legislador constitucional e ordinário, para poder apreender o alcance de cada norma. São esses termos as palavras flora, vegetação e floresta.
Diante do dito, temos que flora, segundo o ilustre Professor Édis Milaré, “é entendida como a totalidade de espécies que compreende a vegetação de uma determinada região, sem qualquer expressão de importância individual dos elementos que a compõem”. Em outras palavras, a flora abrangeria qualquer espécie de vegetação, não criando diferenciações técnicas entre uma e outra, traduzindo, assim, a extensão do solo coberta por diversas espécies de plantas de determinada região.
Por vegetação, ainda de acordo com a explicação do mencionado jurista, “se entende a cobertura vegetal de certa área, região, país”. Desta maneira, o significado de “vegetação” possuiria âmbito mais restrito, devendo-se referir a ele apenas quando se trate de áreas delimitadas, sendo certo que, na maioria das vezes, o substantivo viria acompanhado de algum adjetivo que o individualizasse, relacionado-o com o clima ou solo da região em comento, como é o caso do art. 50 da Lei de Crimes Ambientais, que fala de “vegetação fixadora de dunas”.
Por fim, floresta seria uma “formação vegetal de proporções e densidade maiores”. No significado de floresta, então, podemos incluir as matas densas, os bosques e as selvas, sempre tendo em vista que apenas entende-se por floresta aquelas áreas cobertas predominantemente por árvores de porte superior.
Isto posto, e analisando a Lei n° 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) podemos afirmar que o legislador ordinário optou, no geral, por tutelar os conjuntos de vegetação como um todo, protegendo mais especificadamente, em determinados pontos da lei, algumas formas peculiares de vegetação e optando quase em todos os artigos em dar maior estima às florestas, talvez por constituir o desmatamento a atividade mais corriqueira e nociva contra a flora, principalmente no nosso país.
Proteção Jurídica da Flora
Nas palavras do ilustre Professor Édis Milaré, quando se fala em proteção jurídica da flora, referimo-nos a um ecossistema como um todo que, “além de árvores, inclui água e solo, abrange variedade de animais e microorganismos, enfim, todos os vegetais e elementos que compartilham as mesmas características ambientais e ecológicas”.
Ao procurarmos a compreensão da objetividade jurídica dos crimes contra a flora, faz-se mister desenhar em termos breves a sua importância para a vida e o desenvolvimento sustentável, pois só possuindo uma sucinta noção do significado da flora para o planeta é que podemos entender a necessidade de tutela penal em seu favor.
A flora – e mais precisamente as florestas – constitui estoque energético de imensurável importância, vez que é responsável pela “produção” de O2, substância essencial à vida humana e da maioria dos seres vivos. Além disso, as florestas são as maiores responsáveis pelo equilíbrio hídrico do planeta, contribuindo, ademais, para a fixação dos solos, resguardando-os de erosões.
É sabido, ainda, que a flora em muito contribui para a possibilidade de realizar-se um desenvolvimento sustentável, sendo certo que é dela que o homem retira a maior parte dos recursos que utiliza para a sua indústria, tecnologia e vida de um modo geral. Por fim, ressalte-se a importância turística e paisagística da flora.
Após a resumida explanação acerca da imprescindibilidade da flora para a vida, dúvidas não restam acerca da necessidade da sua tutela. O equilíbrio ecológico indispensável à qualidade de vida e saúde do homem exige que se trate com maior rigor as condutas agressivas ao conjunto vegetacional existente. E a maneira mais incisiva que encontrou o legislador de fazê-lo foi impondo sanções de ordem penal àqueles que ajam em desconformidade com as normas de proteção ao meio ambiente.

A Objetividade Jurídica dos Crimes Contra a Flora.
O legislador da Lei n° 9.605/98, quando protegeu, através da criação de condutas típicas que configuram crime ambiental, a flora, objetivou efetivar, de forma mediata, a tutela ao direito fundamental exposto na Constituição Federal de 1988, qual seja, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Na opinião do de Herman Benjamim, citado por Édis Milaré:
“Se o Direito Penal é, de fato, ultima ratio, na proteção de bens individuais (vida e patrimônio, p. ex.), com mais razão impõe-se sua presença quando se está diante de valores que dizem respeito a toda a coletividade, já que estreitamente conectados à complexa equação biológica que garante a vida humana no planeta”.[1]
E a flora, como componente do meio ambiente natural que é, não poderia ficar fora desta tutela especializada do Direito Penal Ambiental.
Na opinião de Lélio Braga Calhau[2], a imposição de sanções administrativas e civis para as violações da legislação ambiental vinha se revelando eficiente no caso concreto, mas insuficiente para conseguir desacelerar o processo de degradação do meio ambiente, o que acabou por provocar o incremento da tutela penal ambiental.
Sendo assim, é correto afirmar que o legislador, em 1998, utilizou-se do Direito Penal como forma de tentar intervir na sociedade, chamando-a para uma maior preservação do meio ambiente através da criminalização de condutas contrárias a esse entendimento.
E seu escopo preservacionista se observa com clareza no art. 53 do mencionado diploma legal que, ao elencar as condutas consideradas como causas de aumento de pena em crimes contra a flora, menciona aquelas que possuem como conseqüência alterações profundas e substanciais desta, tendentes a destruir determinada vegetação ou impedir sua regeneração, à exceção da alínea “e” do inciso II, que se refere à fiscalização.
A professora portuguesa Dra Maria Alexandra Aragão[3], ao tratar da divisão de competências ambientais no Tratado de Roma, afirma deverem tais competências ser direcionadas para a realização de três objetivos: a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente; a proteção da saúde das pessoas; e a utilização prudente e racional dos recursos naturais.
Quando pensamos em proteção jurídica da flora podemos facilmente fazer um paralelo entre a objetividade jurídica do legislador brasileiro e os objetivos da política comunitária do ambiente, visto que os fins a serem alcançados são os mesmos.
Desta forma, podemos afirmar que a tipificação de condutas agressoras à flora possui a objetividade jurídica de buscar preservar, proteger e melhorar a qualidade do meio ambiente, tutelar de forma indireta a saúde das pessoas e utilizar racional e prudentemente os recursos naturais, a fim de promover um desenvolvimento sustentável que garanta a qualidade de vida mencionada na nossa Constituição.
Ainda tomando como base os estudos da professora lusitana, podemos asseverar que o primeiro objetivo mencionado – proteção, melhoria e preservação da qualidade do meio ambiente – corresponde “a uma visão ecológica pura ou fundamentalista e propugna a proteção direta e indireta da qualidade do ambiente entendido como um fim em si mesmo”[4].
O segundo objetivo, que se relaciona com a saude das pessoas, corresponde à visão antropocêntrica já mencionada no item 2 deste artigo, que foi a perspectiva escolhida pelo nosso legislador constitucional.
O terceiro objetivo mais uma vez volta-se ao homem como centro das necessidades de tutela, vez que, ao falar em utilização prudente e racional dos recursos ambientais, vemos a natureza como matéria prima ou prestadora de serviços ao homem, que deve ser tutelada a fim de que seja possível sua utilização futura para a realização do sempre aclamado desenvolvimento sustentável.
Podemos, diante do quadro exposto, concluir que a tipicidade das condutas agressivas à flora e sua qualificação como crimes ambientais possuem, pois, uma objetividade jurídica imediata, que se refere ao escopo de tentar promover o equilíbrio ecológico advindo exclusivamente desta tutela – objetivo no qual se insere a proteção, a prevenção e a melhoria da qualidade do meio ambiente – e, como conseqüência, uma objetividade jurídica mediata, relativa à efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que se relaciona com os escopos de proteção da saúde e realização do desenvolvimento sustentável, mencionados e garantidos pela nossa Carta Maior.

Bibliografia.
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito Comunitário do Ambiente – cadernos CEDOUA – Almedina, Coimbra, jan. 2002.
CALHAU. Lélio Braga. Efetividade da Tutela Penal do Meio Ambiente: a busca do “ponto de equilíbrio” em Direito Penal Ambiental - Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p. 1889-1894, set./out. 2004.
COPOLA, Gina. A Lei dos Crimes Ambientais, comentada artigo por artigo (1a parte). Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 4, n. 22, p. 2583-2592, jul./ago. 2005.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário – 2. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
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[1] BENJAMIM, Antonio Herman V. Crimes Contra o Meio Ambiente: uma visão geral. 12o Congresso Nacional do Ministério Público, Fortaleza, Livro de Teses, t. 2, p. 391, 1998.
[2] CALHAU. Lélio Braga. Efetividade da Tutela Penal do Meio Ambiente: a busca do “ponto de equilíbrio” em Direito Penal Ambiental - Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p. 1889-1894, set./out. 2004.
[3] ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito Comunitário do Ambiente – cadernos CEDOUA – Almedina, Coimbra, jan. 2002.
[4] ARAGÃO, Maria Alexandra. Op. Cit.